Durante três dias de celebração, festeja-se a tão aguardada inauguração das novas instalações da Casa da Arquitectura, em Matosinhos (Portugal). Iniciada na sexta-feira, dia 17/11, a programação conta com diversas atividades que variam desde festas e concertos à visitas guiadas, oficinas, workshops, leituras encenadas e conferências. É, sem dúvida, um fim de semana marcante na cena da arquitetura portuguesa. É de se notar a aderência do público: durante a tarde de sábado, uma quantidade admirável de pessoas explorava as novas instalações, surpreendendo também pela heterogeneidade (nem só de arquitetos e estudantes de arquitetura se faz um público). Durante uma visita guiada ao edifício, um grupo de mais de 40 pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos, ouvia atentamente os detalhes arquitetônicos apontados pela guia.
Particularmente, interessou-me a conferência dedicada à curadoria de arquitetura intitulada "Please Share Act 3 Influence 'Curadoria'". Apesar do título um pouco confuso, a seleção dos curadores participantes não deixava dúvidas que seria uma conversa produtiva (no folheto da programação, lê-se Roberto Cremascoli, Joseph Grima, Pippo Ciorra, Delfim Sardo, Guilherme Wisnik e João Belo Rodeia). Gostaria de compartilhar algumas impressões que tive durante a conferência e apontar algumas questões. Da fala de Pippo Ciorra, curador do Museu Nacional de Arte do Séc. XXI, em Roma, ficou-me a pergunta: porque será que tantos curadores não gostam ou tem problemas em se autointitularem curadores? Até o profissional mais famoso dos últimos tempos, o star-curator Hans Ulrich Obrist, diz que prefere denominar-se um "juction-maker". É claro que o título está cada dia mais desgastado dentro da indústria cultural (apesar de que a maioria das pessoas que não estão ligadas profissionalmente à cultura sequer sabem o que é um curador); é compreensível que a aura de poder que se tem atribuído à profissão é incômoda. Digo isso porque, guardada as devidas proporções, compartilho do sentimento e tenho dificuldade em assumir a curadoria como título profissional pois me soa pretensioso. Mas fugir da palavra não altera o cerne do problema. Cabe aos próprios curadores trabalharem para mudar essa "má fama" - e acredito que agir de uma forma menos pretensiosa já é um bom primeiro passo, ainda que só isso já seja difícil para muitos. Uma questão problemática apenas sinalizada levianamente foi o usual domínio masculino na cena da arquitetura. Paradoxalmente, Joseph Grima constatou o problema ao relatar a pesquisa feita para a primeira edição da Bienal de Arquitetura de Chicago, que tinha como referência o encontro The State of The Art of Architecture. Ocorrido em 1977, esse evento era dominado por arquitetos homens de meia idade. Como o próprio curador apontou, não muito diferente da situação da atual conferência. A conferência a decorrer no domingo, com o tema "edição", sofre do mesmo problema. A ver como será a programação futura da instituição. Guilherme Wisnik, que foi curador da Bienal de Arquitetura de São Paulo em 2013, apontou para tópicos mais gerais do campo ao invés de relatar um projeto curatorial específico. Levantou a clássica pergunta, que parece ser recorrente a todos os curadores que assumem a direção de uma exposição de grande porte, que é a da serventia de uma bienal de arquitetura, especialmente fora do contexto onde esses eventos eram os meios de excelência para a apresentação, comunicação e atualização de informações (não só da arte e da arquitetura mas do conhecimento como um todo). Acredito ser pertinente reformular a pergunta: para quê expor arquitetura? A questão da representação da disciplina em contexto expositivo parece ser bem resolvida apenas no plano teórico. É unânime a ideia de que a arquitetura tem buscado se afastar do seu caráter físico/objetual/tectônico e segue caminhando em direção a um conjunto de questões de cunho teórico/subjetivo/social/político. A arquitetura e os profissionais envolvidos com a sua difusão concordam que é necessário expandir, sair da bolha e assumir um lugar de diálogo, de troca, de construção de saber. Ainda assim, as exposições de arquitetura continuam sendo livros expostos tridimensionalmente. E ainda que, sem dúvida, alguns "livros/exposições" sejam melhores que outros, a maioria continua se pautando no formato expositivo e curatorial tradicional - aquele que começou a ser colocado em xeque no campo da arte já há muitas décadas. Mas, aceitando que o espaço expositivo é o que temos, o que ainda falta é a expansão. As exposições de arquitetura comunicam, mas será que escutam de volta? São monólogos ou diálogos? A curadoria faz propostas inovadoras (projetos com ~novíssimos~ arquitetos, conversas à beira da praia, mesas-redondas em países longínquos, atividades para ocupar a cidade) para se destacar pela novidade ou para, de fato, encontrar respostas desconhecidas, díspares, incomuns, dissidentes, inconvenientes? Em que medida a curadoria está aberta ao feedback do público? E, se está aberta, como faz isso? Como os museus, as bienais e as exposições de arquitetura medem o seu impacto com o público? A própria conferência em questão, mesmo no momento em que a plateia foi convidada a participar, se mostrou uma conversa entre pares, confinada à discussão de conceitos arquitetônicos específicos entre os arquitetos-curadores-homens-de-meia-idade. Não que não fossem assuntos interessantes, porque eram, mas a conferência não propôs uma expansão do diálogo. Acabou perdendo uma chance de convidar o público a fazer parte dos rumos da curadoria de arquitetura e, também, do futuro da Casa da Arquitectura.
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